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Alberto Caeiro

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Biografia

Alberto Caeiro nasceu em 1889, em Lisboa. Apenas teve instrução primária, ou seja, só completou o 1ºciclo (até ao 4ºano) e não teve nenhuma profissão. Alberto Caeiro era de estatura média, louro sem cor, tinha olhos azuis, cara rapada e não parecia ser tão frágil como era. Escrevia com uma pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Dos três heterónimos de Fernando Pessoa, este era o que «escrevia mal o português».  

Entre 1913 e 1914, Fernando Pessoa, numa tentativa de fazer uma partida a Sá-Carneiro, tentou inventar um poeta bucólico, mas não conseguiu. Foi só então, em 8 de março de 1914, que Fernando Pessoa se acercou de uma cômoda alta, pegou num papel, começou a escrever de pé (como costumava escrever, sempre que conseguia). Nesse dia escreveu cerca de “trinta e tantos poemas a fio” num êxtase tão grande que nem conseguiu explicar aquilo que sentiu no momento. Pode-se então dizer que, nesse dia, dia 8 de março de 1914, nasceu/apareceu o mestre de Fernando Pessoa.

Temáticas

O penúltimo poema

 

Também sei fazer conjecturas.

Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.

Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.

No animal é um ser interior longínquo.

No homem é a alma que vive com ele e é já ele.

Nos deuses tem o mesmo tamanho

E o mesmo espaço que o corpo

E é a mesma coisa que o corpo.

Por isso se diz que os deuses nunca morrem.

Por isso os deuses não têm corpo e alma

Mas só corpo e são perfeitos.

O corpo é que lhes é alma

E têm a consciência na própria carne divina.

As temáticas dos poemas são: o fingimento artístico - o poeta «bucólico»; e a reflexão existencial - o primado das sensações.  

O fingimento artístico: o poeta «bucólico» tem os seguintes subtemas: a contemplação da natureza; a integração, a comunhão e a harmonia com os elementos naturais e o afastamento social; os sentimentos primordiais nos seus poemas são a simplicidade e a felicidade; a existência tranquila no tempo presente e o bucolismo como máscara poética.  

A reflexão existencial: o primado das sensações tem como subtemas os seguintes: o Sensacionismo: a sensação sobrepõe-se ao pensamento; o poeta do olhar; a observação objetiva da realidade; a rejeição do pensamento abstrato e da intelectualização e a «filosofia» da antifilosofia, ou seja, o pensamento antipensamento.  

Linguagem, Estilo e Estrutura

Quando tornar a vir a Primavera

Quando tornar a vir a Primavera

Talvez já não me encontre no mundo.

Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente

Para poder supor que ela choraria,

Vendo que perdera o seu único amigo.

Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:

É uma maneira de dizer.

Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.

Há novas flores, novas folhas verdes.

Há outros dias suaves.

Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

A linguagem nos poemas de Alberto Caeiro é  familiar e com tom oralizante; o vocabulário é concreto, sobretudo do campo lexical da natureza; há um predomínio de construções sintáticas coordenadas e subordinadas adverbiais como as comparativas, as causais e as temporais; também há um predomínio do presente do indicativo; os versos são livres e longos; há uma irregularidade estrófica, rítmica e métrica; ausência de rima (versos soltos); e os recursos expressivos predominantes nos seus poemas são a comparação, a metáfora, a anáfora e a repetição

Poemas

O Guardador de Rebanhos I

 

Eu nunca guardei rebanhos,

Mas é como se os guardasse.

Minha alma é como um pastor,

Conhece o vento e o sol

E anda pela mão das Estacões

A seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente

Vem sentar-se a meu lado.

Mas eu fico triste como um pôr do Sol

Para a nossa imaginação,

Quando esfria no fundo da planície

E se sente a noite entrada

Como uma borboleta pela janela.

 

Mas a minha tristeza é sossego

Porque é natural e justa

E é o que deve estar na alma

Quando já pensa que existe

E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

 

Com um ruído de chocalhos

Para além da curva da estrada,

Os meus pensamentos são contentes.

Só tenho pena de saber que eles são contentes,

Porque, se o não soubesse,

Em vez de serem contentes e tristes,

Seriam alegres e contentes.

 

Pensar incomoda como andar à chuva

Quando o vento cresce e parece que chove mais.

 

Não tenho ambições nem desejos.

Ser poeta não é uma ambição minha.

É a minha maneira de estar sozinho.

 

E se desejo às vezes,

Por imaginar, ser cordeirinho

(Ou ser o rebanho todo

Para andar espalhado por toda a encosta

A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz

E corre um silêncio pela erva fora.

 

Quando me sento a escrever versos

Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,

Sinto um cajado nas mãos

E vejo um recorte de mim

No cimo dum outeiro,

Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,

Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,

E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz

E quer fingir que compreende.

 

Saúdo todos os que me lerem,

Tirando-lhes o chapéu largo

Quando me vêem à minha porta

Mal a diligência levanta no cimo do outeiro. 

Saúdo-os e desejo-lhes sol

E chuva, quando a chuva é precisa,

E que as suas casas tenham

Ao pé duma janela aberta

Uma cadeira predilecta

Onde se sentem, lendo os meus versos.

E ao lerem os meus versos pensem

Que sou qualquer coisa natural —

Por exemplo, a árvore antiga

À sombra da qual quando crianças

Se sentavam com um baque, cansados de brincar, 

E limpavam o suor da testa quente

Com a manga do bibe riscado.

A espantosa realidade das coisas

A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.

 

Basta existir para se ser completo.

 

Tenho escrito bastantes poemas.

Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.

Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

 

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra,

Gosto dela porque ela não sente nada,

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

 

Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

 

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;

Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,

Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;

Porque o penso sem pensamentos,

Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

 

Uma vez chamaram-me poeta materialista,

E eu admirei-me, porque não julgava

Que se me pudesse chamar qualquer coisa.

Eu nem sequer sou poeta: vejo.

Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:

O valor está ali, nos meus versos.

Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

 

Guardado de Rebanhos II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…

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