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Ricardo Reis

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Biografia

Ricardo Reis é um dos heterónimos mais importantes, ao lado do mestre Alberto Caeiro, do alter-ego Álvaro de Campos e do semi-heterónimo Bernardo Soares. 

Foi idealizado por Pessoa no ano de 1913 para verbalizar os poemas de índole pagã e, conforme a sua biografia (inventada por Pessoa), nasceu a 19 de setembro de 1887, na cidade do Porto. Recebeu uma educação clássica num colégio de jesuítas, tendo-se tornado um latinista por educação e “um semi-helenista por educação própria”.  

Ricardo Reis formou-se em medicina e, por ser grande defensor do regime monárquico, exilou-se no Brasil em 1919 devido à derrota da rebelião monárquica do Porto contra a república, instaurada. Ricardo Reis era admirador da cultura clássica, e admirava, principalmente, Horácio, além de Virgílio e Lucrécio. Defendia o Epicurismo, o Estoicismo e o Neopaganismo. 

Quanto aos aspetos físicos do heterónimo, este era um pouco mais baixo, mais forte e seco do que Alberto Caeiro. Ricardo Reis usava a cara rapada e possuía uma pele de cor morena. Escrevia melhor que Fernando Pessoa com um purismo que é considerado exagerado.  

A poesia de Ricardo Reis baseia-se na “imitação” do poeta latino Horácio, ou seja é moralista, sentenciosa, contida e sem espontaneidade. 

Temáticas

Quanta tristeza e amargura afoga

Quanta tristeza e amargura afoga

Em confusão a estreita vida! Quanto

        Infortúnio mesquinho

        Nos oprime supremo!

Feliz ou o bruto que nos verdes campos

Pasce, para si mesmo anónimo, e entra

        Na morte como em casa;

        Ou o sábio que, perdido

Na ciência, a fútil vida austera eleva

Além da nossa, como o fumo que ergue

        Braços que se desfazem

        A um céu inexistente.

As temáticas presentes na poesia de Ricardo Reis são:

O fingimento artístico:

Neoclassicismo:  

  • Revivalismo da cultura da Antiguidade Clássica. 

Neopaganismo:  

  • (Re)aparecimento dos antigos deuses (e geralmente os deuses do mundo grego ou latino) na arte ou na literatura, a partir do século XVIII. 

  • Renascimento da essência pagã, pela eliminação da racionalidade abstrata e pela rejeição da metafísica ocidental. 

  • Hierarquização ascendente- animais, homens, deuses e o Fado que a todos preside. 

A reflexão existencial:

Epicurismo:  

  • Efemeridade da vida e inevitabilidade da morte;  

  • Demanda da felicidade e do prazer relativos; 

  • Indiferença perante as emoções excessivas; 

  • Perceção direta da realidade e do ciclo da Natureza; 

 

  • Ataraxia: Sofrimento pela consciência do que o rodeia, sobretudo tratando-se de pessoas; 

Estoicismo:  

  • Aceitação das leis do Tempo e do Destino e resignação perante a fragilidade da condição humana e o sofrimento; 

  • Culto da autodisciplina e da abdicação voluntária de sentimentos e compromissos. 

 

Horacianismo:  

  • Visão estoico-epicurista da existência; 

  • Perceção aguda da transitoriedade temporal, da brevidade da vida e inevitabilidade da morte e do Destino;  

  • Carpe diem (fruição do momento com moderação); 

  • Culto da aurea mediocritas (apologia de uma vida calma e simples, longe do bulício das cidades, com um mínimo de dor ou gozo); 

  • Presença do locus amoenus (lugar ameno/tranquilo); 

  • Autodomínio que evita as paixões e aceitação voluntária do destino; 

Linguagem, Estilo e Estrutura

Na poesia de Ricardo Reis, observa-se: uma linguagem culta, erudita e latinizante; um estilo e forma complexos que espelham o conteúdo; um tom didático e moralista (conselhos expressos no imperativo ou no conjuntivo com valor exortativo); um tom coloquial na presença de um interlocutor; uma preferência pela composição poética em ode; uma regularidade estrófica, rítmica e métrica (versos predominantemente decassilábicos e hexassilábicos); ausência de rima (versos soltos); um predomínio de construções sintáticas subordinadas e com influência da sintaxe latina (alteração da ordem padrão dos constituintes sintáticos); um privilégio do presente do indicativo e uso frequente da primeira pessoa do plural; utilização do gerúndio com valor aspetual imperfetivo; e os seguintes recursos expressivos predominantes: anástrofe, metáfora, aliteração, apóstrofe. 

Deixa passar o vento

Deixa passar o vento

Sem lhe perguntar nada.

Seu sentido é apenas

Ser o vento que passa…

 

Consegui que desta hora

O sacrifical fumo

Subisse até ao Olimpo.

E escrevi estes versos

Pra que os deuses voltassem.

Poemas

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

 

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

                (Enlacemos as mãos).

 

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

                Mais longe que os deuses.

 

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

                E sem desassossegos grandes.

 

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

                E sempre iria ter ao mar.

 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

                Ouvindo correr o rio e vendo-o.

 

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento —

Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

                Pagãos inocentes da decadência.

 

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

                Nem fomos mais do que crianças.

 

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,

                Pagã triste e com flores no

regaço.

Bocas roxas de vinho

Bocas roxas de vinho

Testas brancas sob rosas,

Nus, brancos antebraços

Deixados sobre a mesa:

 

Tal seja, Lídia, o quadro

Em que fiquemos, mudos,

Eternamente inscritos

Na consciência dos deuses.

 

Antes isto que a vida

Como os homens a vivem,

Cheia da negra poeira

Que erguem das estradas.

 

Só os deuses socorrem

Com seu exemplo aqueles

Que nada mais pretendem

Que ir no rio das coisas.

Antes de nós nos mesmos arvoredos

Antes de nós nos mesmos arvoredos

Passou o vento, quando havia vento,

E as folhas não falavam

De outro modo do que hoje.

 

Passamos e agitamo-nos debalde.

Não fazemos mais ruído no que existe

Do que as folhas das árvores

Ou os passos do vento.

 

Tentemos pois com abandono assíduo

Entregar nosso esforço à Natureza

E não querer mais vida

Que a das árvores verdes.

 

Inutilmente parecemos grandes.

Salvo nós nada pelo mundo fora

Nos saúda a grandeza

Nem sem querer nos serve.

 

Se aqui, à beira-mar, o meu indício

Na areia o mar com ondas três o apaga.

Que fará na alta praia

Em que o mar é o Tempo?

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.

E deseja o destino que deseja;

                Nem cumpre o que deseja,

                Nem deseja o que cumpre.

 

Como as pedras na orla dos canteiros

O Fado nos dispõe, e ali ficamos;

                Que a Sorte nos fez postos

                Onde houvemos de sê-lo.

 

Não tenhamos melhor conhecimento

Do que nos coube que de que nos coube.

                Cumpramos o que somos.

                Nada mais nos é dado.

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